quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Adeus, berimbau e saudades


Estou na sala de embarque do vôo TAP 156, partindo de Salvador com destino a Lisboa. As pessoas começam a entrar e a fila está longa. Muita gente, de muitos países diferentes. Afinal este vôo é um dos pontos de conexão de Salvador para toda Europa.


Na frente da fila vejo de relance os cabelos e os gestos de um senhor e me arrepio. Na minha cabeça se materializa a imagem de meu pai, entretanto a razão chega rapidamente me recordando da impossibilidade de que meu pai se encontre aqui neste momento. Acabei de me despedir dele faz uns 10 minutos.


Aeroportos... aeroportos... nunca pensei que estaria tão rodado neles, que teria embarcado e desembarcado tantas vezes, em tantos países e com esperanças, sonhos, perspectivas tão diferentes de uma vez para outra. Nunca pensei que choraria tanto das dores do amor nos aeroportos. Nunca imaginei sentir tanta saudade de mundos tão distintos.


Encontro-me bem, no "player" escuto uma música do Legião Urbana...


"... é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã..."


Observo a gente na fila, entregando a passagem, pegando o canhoto e entrando no sentido do avião. Passa o menino francês e sua família. O "menino do berimbau". Na fila do raio-X tinha uma família de franceses e um menino de uns 10 anos com uma mochila. Na mochila ele tinha uma miniatura de berimbau de uns 50 cm, uns 10 cm estavam expostos.


Ao chegar no raio-x a família foi avisada de que berimbaus não eram autorizados dentro do avião e que eles teriam que ir até o check-in e embarcar o instrumento. É lógico que se gerou uma tensão entre mãe e filho, mas o filho foi compreensivo e deu o berimbau para a responsável pelo raio-x. Fiquei um pouco triste pelo menino e um pouco chocado quando, rapidamente e sem cerimônia, a mulher se virou para uma caixa de lixo, a abriu e jogou o berimbau, assim, sem escrúpulos, sem pena, sem esperar a saída do menino,... jogou diretamente na lixeira. Estávamos todos da fila indignados, ouvi comentários muito discretos do acontecido em vários idiomas.


Meu primeiro pensamento foi que estamos ficando robotizados, estamos tendendo a ficar tão frios como o que dizemos de nossos amigos do primeiro mundo. Poucos sensíveis e olhando somente às normas absurdas, seguindo cegamente. Na Alemanha entrei no avião com um cortador de temperos com duas lâminas super afiadas. Lembro de ter sido barrado pelo operador mas o responsável olhou e me deixou passar dizendo que eu obviamente não era terrorista afinal meu cortador de tempero estava cuidadosamente enrolado para presente, com cartão e tudo.


Mas o bom senso prevaleceu também para o garoto francês. Um dos funcionários buscou o superintendente que conversou com o piloto do avião e o berimbau foi levado, para felicidade de todos, na cabine do piloto.


A cultura pode até moldar a intensidade de nossas ações, o quanto demonstramos o que sentimos, o que achamos mais ou menos natural, mas seguimos sendo todos humanos. Torcemos todos pelo menino do berimbau independente de onde nascemos e de onde nasceu o menino. Somos no geral contra a injustiça e, acima de tudo, contra fazer uma criatura inocente sofrer, assim, sem motivo.


Aqui sigo eu, no saguão de embarque, escrevendo. Minha hora de entrar no avião está chegando e sei que cada passo será um passo de saudade de mãos dadas com a excitação de estar indo rumo a algo novo.



Meus pais e todo carinho deste período junto com os desafios do novo emprego.
Lençóis e os momentos inesquecíveis; voltar a ter um ap para chamar de lar.
Os novos e velhos amigos do Brasil juntos com os velhos amigos que reencontrarei e os novos que farei.
Clarice Linspector e HP, ambos com seu novos significados.



É, a vida não para e espero que nunca pare de nos surpreender e desafiar.


Olho a fila, chegou a minha vez. Os dois últimos acabam de entrar. É hora de fechar o computador e seguir viagem ...



Um comentário:

Ná, Nata, Natashinha, Nana, Fiona, Moriofe... disse...

Meu querido Burro, essa sua psotagem é mto triste, fiquei lembrando de qdo eu vim pela primeira vez... toda felicidade e incerteza que me rodiava naquele momento, sozinha numa fila de embarque com medo do novo mundo, mas com mta coragem para enfrentá-lo.
Espero que vc tenha sido bem recebido no nosso lar e que seja feliz na sua nova vida aqui.
Lembre-se de que vc tem aqui dois pedacinhos do Brasil e que gostam mto de vc.
Bjos, Fiona